PRIMEIRA VEZ EM ESTOCOLMO 2004
Södermal
ilhas de Estocolmo na primavera
sentada no convés em Södermal
penso no estreito contato magnético das coisas etéreas
que se desprendem materializadas do meu cérebro
quarenta e sete noites sem dormir inteiramente
e nenhuma palavra que mude a direção da minha vida
vou ser presa em flagrante se mostrar que sou sensível
mas alguém deveria se importar verdadeiramente comigo
enquanto eu triste envio postais alegres aos amores impossíveis
CINCO RESPOSTAS SEM PERGUNTAS
OU
A ENTREVISTA QUE FICOU INÉDITA
Quando de seu lançamento, em 2004(Festival Recifense de Literatura-Livraria Cultura), respondi algumas perguntas a um jornalista amigo, para divulgação do livro.Questões adversas de espaço em uma cidade onde há muitos anos não mais existem suplementos literários o forçaram à opção de transformar a entrevista em uma notícia reduzida. Decido divulgá-la aqui, acreditando que pode servir de indicativo de leitura.As respostas surgem solitárias, desacompanhadas das perguntas, que se perderam eletronicamente. Proponho o exercício lúdico de adivinhá-las.
1 – Se o conceito de viagem é meta-geográfico, o deslocamento entre fronteiras se coaduna com um certo conceito de errância comum a muitos artistas, espírito de aventura e desafio de perigos, busca de paragens e rostos desconhecidos. A viagem está presente na pesquisa filosófica, na arqueologia, nos vários campos do conhecimento.Ela permite o redimensionamento do mundo e da vida.
Que não se confunda o poeta-viajante com o mero turista : este último, uma presa fácil da comercialização e hostil a tudo o que não seja a vaidade do registro. Enquanto os viajantes são grandes solitários, os turistas não conseguem se movimentar sem estar em grupo e sem a monitoração de um guia.Viajar, na verdade, implica em deambular, vagar, sair de si mesmo para regressar talvez mais completo e mais nítido.
As peregrinações são freqüentes em literatura, havendo dado causa a muitos livros. É a linhagem de Camões, de Apolônio de Rodes, de Homero, de Vergílio. Tenho escrito vários livros de poesia provocados por viagens : Ainadamar, Ilaiana, Amaya, A Quarta Forma do Delírio. Também as Saetas de Sevilha, incluídas em Bastidores. O estranhamento da paisagem – que não é só física – sincroniza e sintoniza conexões inesperadas que podem resultar em poesia.
2 – Inicicialmente, a referência de uma cultura muito especial, a viking, de desbravadores dos mares, com a viagem na alma, tal como os portugueses de que tenho o sangue e que aqui chegaram em embarcações tão básicas , sem medo das tempestades e dos monstros marinhos. A terra de Strindberg. A capital do país de Bergman, Swedenborg, Par
Lakervitch.Terra de paisagem de conto de fadas, casas de madeira colorida cercadas por florestas de árvore de natal. De um país que venceu suas dificuldades com a pobreza e proporciona aos cidadãos grande parte dos serviços que justificam a constituição do Estado burocrático. Não se trata, contudo, de uma visão utopista : apenas as dificuldades ainda existentes foram reduzidas a um caráter mínimo, que o livro também registra. Acho que a cidade tem muita magia, especialmente em seu colorido. E o seu nome considero encantatório, sobretudo se penso na variação feminina.
3 – Estocolmo talvez seja tipo um panorama de meus livros anteriores. Nele você encontra amor, angústia, misticismo, referências míticas, denúncia social, registro étnico, interculturalismo. Refletores tem a histeria de um período de crise. A fúria obscura, a inssurreição dos sentidos. O decurso do tempo, a consciência da velhice. A decadência do corpo na pele ressequida. O sexo transformado em algo diverso do que era em seu início. Eu reagi com a poesia. Desespero Blue é quando a tempestade dá lugar à calmaria. Incorporei o recurso pós-moderno do diálogo com outros autores( Desdizeres ) e aí surge o Sentimento Súbito, em que assumo uma posição definitivamente contrária à secura construtivista/racionalista/minimalista de um certo tipo de poesia brasileira contemporânea, sustentada em epígonos de vanguardas envelhecidas. A dilaceração leva ao desnudamento radical da ferida, esse monólogo sopra de uma região onde se mesclam o dramático, o épico e o lírico, sendo a poesia uma confissão de vida. Estocolmo mantém a ligação com Refletores sem desprezar o interculturalismo da tetralogia ibérica anterior Nele também assumo de modo mais explícito as minhas vivências místicas. Se acrescento uma dicção talvez mais brasileira e cotidiana em alguns poemas, também passo a misturar o “sujo”com o sublime, a notícia de jornal com a referência erudita.
4 – O livro tem quatro partes : a primeira trata do plano mítico ; a segunda, do místico-erudito ; a terceira, do geográfico intimista ; na quarta a constatação da evidente brevidade da vida. Há uma queda brusca na metade do livro, uma ruptura da segunda para a terceira parte : não é só o avião que desce em Arlanda - dá-se a passagem do erudito para o empírico e uma lucidez como um relâmpago apaga as imagens do sonho e imprime palavras em carne viva.
5 – Quando empreendi a viagem e mudei minha vida, havia sempre um out-door na parada do ônibus de ida onde estava escrito : “volvo” . Era uma marca de automóveis e caminhões, mas eu viajava pensando no sentido espanhol e achava que aquilo era um signo de que eu iria voltar. De fato, quando chegava na parada do ônibus de retorno, estava o mesmo out-door, com a mesma palavra “volvo”: eu ligava novamente a idéia de volta, de repetir a viagem, o que na verdade fiz por vários anos. Quando desci no aeroporto sueco de Arlanda, a caminho do centro de Estocolmo, como dentro de um conto de Hoffmann lá estava, enorme, o mesmo “volvo” em um mesmo out-door e aí eu pensei : vai começar tudo de novo.
Nas noites solitárias de Linkoping, descobri que a versão feminina de “volvo”, no caso “volva” , quer dizer sibila, vidente, profetisa. O Voluspa, belo canto das Eddas, é “A Profecia da Vidente”: o deus nórdico Odin pede à sibila – que já se encontrava morta – para que regresse à vida e venha profetizar. Num processo de identificação, pensei, ou sou eu mesma, ou se trata dela, da Poesia, que Estocolmo veio ressuscitar. A Rainha do Lago Malaren que me entrega o cofre onde eu mesma estou dentro, como a taça do Graal que me devolvesse o meu próprio espírito
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