Wednesday, November 19, 2008

Painel Geração 65 : Saudade de Sérgio Albuquerque

Poeta José Mário Rodrigues
autor do posfácio da Edição dos Quarenta anos de Murais da Morte, publicada em fac-símile pela Editora Fliporto, 2008
com ilustrações de Vicente do Rego Monteiro

SÉRGIO MOACIR


José Mário Rodrigues


Chegamos primeiro, eu e Ângelo Monteiro, ao velório de Sérgio Moacir, no Cemitério de Santo Amaro. Depois foram chegando Esman Dias, o pintor Delano, Celane, Tereza, Beth, irmãs do poeta. Um pouco mais, Lucila e as três filhas e os dois netos, como se pássaros fossem, absortos no ninho e distantes do mistério da morte. Mas que mistério tem a morte se sabemos que vamos morrer? Era a indagação do poeta Joaquim Cardozo, respondendo a uma entrevista que fiz para este JC.


Quando Lucila Nogueira depositou nas mãos de Sérgio o seu último livro Canto da definitiva Primavera, me veio logo uma reflexão: a gente se enterra com nossos próprios poemas. Perdoem-me todos os que escrevem poesia, mas é ilusão acreditar que seremos lidos e lembrados. São tantos os poetas que nascem e morrem e tão poucos os leitores que se o poema merecer alguma atenção será, para o escritor, como ganhar na loteria.


Sérgio transitou o seu talento por vários caminhos da arte. Possuía agudo senso crítico, era capaz de sentir o faro da grande obra. Durante a sua fase produtiva, que se deu antes do exílio em Paris e depois da volta para o Recife, tinha a luminosidade do homem especial. O seu romance Irene, publicado pela Civilização Brasileira, mereceu muitos elogios da crítica do Sul, mas nunca foi reeditado.


Ele veio de uma linhagem culta. Seu pai, Moacir de Albuquerque, foi professor de literatura do Ginásio Pernambucano, na década de 50, e era tão respeitado como critico literário a ponto de Gilberto Freyre escrever, em 1962, que "raramente tem havido nas letras brasileiras um tão fiel amor de escritor à sua vocação e à sua especialidade como o que caracterizou a atividade, desde jovem, de Moacir de Albuquerque: sua atividade de crítico literário". O professor Moacir conhecia profundamente literatura francesa e até publicou ensaios sobre Baudelaire e Rimbaud . Escreveu também sobre literatura brasileira e portuguesa dedicando vários artigos sobre a estilística de Eça de Queiroz.


Na sala do velório, a impressão que me dava era mesmo a de que o morto carregava os vivos. As recordações nos tornavam iguais. Em 1968, estávamos na faixa dos 20 anos. Sérgio, além do jeito de sábio, chamava atenção pela beleza física. Parecia um Cristo atravessando pontes e calçadas do Recife. Na época, o sociólogo Pessoa de Moraes aglutinava, em sua residência da Gervásio Pires, a grande maioria de poetas da Geração 65. Sérgio, Tarcísio Meira César, Laércio Vasconcelos, Lourdes Sarmento e eu éramos mais constantes na convivência com o autor de Tradição e transformação do Brasil.


Seu livro de estréia foi Murais da morte, publicado pela Imprensa Universitária. Com uma forte influência da poesia de João Cabral , Renato Campos, seu amigo e prefaciador, viu na obra uma espécie de "violência primitiva". Nunca entendi o que Renato quis dizer com isso. Não tem importância. Passou. Cada coisa que ele fazia era por necessidade criativa. Andou fazendo experiência com pintura e levou ao máximo o exercício de uma certa monotonia pictórica. Depois deixou de pintar, de escrever, e entrou na "definitiva primavera", uma coisa fácil para quem "vivia equilibrando sonhos na ponta dos dedos".


Poucas pessoas conheci tão desvinculadas da realidade. Nada precisava acontecer, bastava ser imaginado e vivido. Ao enterramos os nossos mortos, ficam os momentos de convivência com eles. Logo mais virá o sono, um intervalo entre o amanhecer e a "oculta ventania".

Publicado no Jornal do Commercio em 20.09.2008


1 Comments:

Blogger Henrique Wagner said...

Oi, boa tarde, tudo bem? Olha, li hoje a novela Irene, do Albuquerque, estou muito bem impressionado. Como entender que ninguém, hoje, saiba da existência desse escritor, dessa novela? Eu tampouco sabia. Fiquei sabendo porque encontrei o livro à venda num vendedor de rua... Gostaria de saber se vc tem mais informações desse grande escritor. De todo modo, o texto que vc postou já me serviu muito bem. Pretendo escrever algo a respeito desse homem e sua obra. Abç.s

12:54 PM  

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